Fim de jogo, sehorita


    Eu sempre curti garotos com expressões de "mamãe não gosta de mim" desde um bom tempo. Criei até mesmo essa expressão que hoje chego até a achar tosca. Mas isso é culpa do meu instinto maternal horrendo. Digo isso pois ele extrapola, chego a ser o tipo de pessoa séria demais, que não entende brincadeiras e meio que super certinha. Ou seja, chata. Imagine ter menos de vinte anos de idade e ser assim. Eu sou careta em minha postura liberal.
    Eu já conseguia ver garotos de cabelos bagunçados, com algum piercing e um olhar meio desolado sem ficar muito abalada. Eu os via e pensava em mim com os meus quatorze anos, quando ficava sonhando no dia que namoraria um cara assim. E acabava gargalhando.

- Que boba que eu era, céus...

    Mas um dia que não me prometia nada novo, me vi encantada por algo que eu já achava tão sem graça. Vi ele olhando o céu como eu sempre costumo fazer ao estar entediada. A calça jeans preta, uma das mãos num bolso e a outra no cigarro. E para não fugir do meu clichê, logo te dei um primeiro puxão de orelha mentalmente. "Idiota, está se consumindo mais do que o necessário, aff." E fiquei tão irritada, que sem perceber me pus ao lado dele. Apoiei um dos meus pés contra a parede e olhei também para o céu.
    Percebi que o idiota de cabelo preto bagunçado me olhava. "Que merda, isso é uma recaída?". Olhei para o céu, pensando em por que havia ido parar ali. Comecei a repensar em como eu estava vestida e se ele iria gostar. Mas, não tenho mais o estilo alternativo de antes. Agora eu sou normal. Uso um short de pano confortável, uma blusa lisa com um bolero e um bornal. Nos pés? Uma sapatilha. O rosto? Nem uma gota de maquiagem. Apenas uso um hidratante labial. "Você é ridícula para ele". E assim, retirei o pé da parede e comecei a me afastar...

- Ei, você deixou isso cair.

    Olhar ou não olhar? Eis a questão. Se fosse a algum tempo atrás eu pegaria e ainda o encararia. Qual é, era o meu sonho de consumo. Um namorado com cara de "mamãe não gosta de mim". Com um sorriso torto. Com uma vida mais despreocupada. "Foda-se os padrões." E como eu demorei a responder ele tocou no meu braço. Uma corrente invadiu o meu corpo e decidi que pegaria, por qual motivo não o faria? Ele já foi o meu tipo, não é mais.

- Ah... Obrigada!

    E quando eu olhei, era um panfleto do show de uma banda alternativa que iria tocar em um dos locais que os pais denominam como perigoso para meninas inocentes, como eu. Só que na verdade, hoje em dia, quem é mesmo assim tão inocente? Pode existir burrice, mas nunca inocência. A não ser que você tenha menos de dez anos de idade. E bem, eu não olhei para ele. E eu estava segurando o papel, mas ele não soltava. Eu tentei mais uma vez, mas ele não largava. E percebi que ele me encarava, mas que merda. "Vou pirar... Sabe de uma coisa, se é isso que ele quer, ok". Assim, o encarei. Mas eu acho que já vi esses olhos em algum lugar.
    E eu fiquei o olhando, os olhos tão escuros quanto o meu cabelo já foi um dia. O sorriso dele não era torto, era aberto. "Veja, estou sorrindo para você." O alargador tinha o tamanho ideal, e o piercing no lábio dele...

- Senhorita, nunca a vi por aqui antes.
- Senhorita? Pareço tão inocente assim?

    E ele gargalhou. Que coisa. E ainda tem gente que pensa que pessoas assim são assustadoras, mas que nada. Ele estava rindo e eu já estava irritada. Ok, tudo bem que eu não sou meio meiga, mas não vem ao caso. "Não sou santa, que merda."

- Gosto de garotas assim, só isso. Falei nas melhores da intenções.
- Tá... Desculpa. Também não quis ser grossa.
- Você é realmente fofa.
- E você um chato, nem me conhece...
- Quanta personalidade.
- Veja só quem fala.
- Vai ao show hoje? Seus pais não brigam não? - fui obrigada a revirar os meus olhos.
- Você é realmente idiota. Já que eu tenho pais super protetores, você ao menos os tem?
- Ta aí, gostei de você.
- Que coisa... Pare de dizer que gosta de mim.
- Se for destino... Iremos nos reencontrar novamente, nesse show, hoje a noite.

    E assim ele se foi. Que coisa louca. Que vida. Mas como assim? Nunca tive uma conversa tão louca e irracional na minha vida. E nunca fui tão grossa. Mas também ninguém, nunca, foi tão esquisito. Destino? Isso não existe. "Além de idiota, é doido." E assim subi no ônibus. E ele... Vi a sua sombra sumindo aos poucos no horizonte. A verdade é que eu não estava nem tão afim de ir, mas sinceramente, estou curiosa para saber se vou vê-lo lá ou não. Eu gosto de colocar a minha cara a tapa. "Destino não existe mesmo... E se ele quer jogar, eu aceito."
    Liguei para umas amigas e marquei. Tive uma pequena discussão com os meus pais, mas tudo ok. Por sinal, nem sei quantos anos ele poderia ter. Pela paciência, deve ter mais de vinte. Dessa vez, resolvi não apenas relembrar o passado como também eu mesma. Peguei o meu all-star surrado, meu favorito. Completei com um vestido um pouco acima do joelho de cor preta e uma bolsa qualquer. A maquiagem? Passei apenas um rímel qualquer e um batom vermelho. E assim, saí de casa. Depois completei com uma jaqueta azul surrada. "Que saudade de ser eu."




    Já era possível ouvir a agitação ao me aproximar da casa noturna. Eu sentia como se a minha cabeça fosse entrar em colapso. O meu mundo parecia girar ao meu redor, e sim, eu tenho o poder de fazer isso mesmo sem uma única gota de álcool ou qualquer outra coisa ilícita. É só que, ficar em locais desconhecidos com pessoas desconhecidas me encarando não é algo nem de longe confortável.

- Fernanda, aí esta você! - eu apenas sorri, agora ficando mais calma. A voz dela me anestesiou e me trouxe de volta para o planeta Terra.
- Nossa, ela está pálida!
- Nossa meninas, eu estou bem... "Estou ótima, só quero que a noite acabe."
- Eu quero ver quem é esse ser misterioso! Finalmente você o encontrou!
- E depois de "superar" esse tipo, né? Veja só... Olhe as roupas dela, 'tá literalmente relembrando o passado!
- Parem de gritar. E eu não tenho mais quatorze anos. E quem está relembrando o quê aqui?
- Ah, sei...
- Pois é, acreditamos.
- Não perturbem, ok? Vamos entrar logo, não vai acontecer nada. Ele só... Tava querendo brincar. E eu não posso querer sair de vez em quando não? "Na verdade não..."

    Finalmente, já não estou mais só. E ao invés delas me acalmarem em relação a ele, me deixaram ainda mais agitada. Ele precisava ter logo piercing nos lábios? Me forçou a olhar para onde eu não deveria sequer pôr os olhos... Apesar de que, eu o encarei. E era isso que eu não deveria mesmo ter feito! "Ele não vai vir, destino não existe." Elas se sentaram em uma mesa e eu fiquei em pé, bem próxima da pista.

- Uau.
- Quê?
- Então estava destinado.
- Destino não existe.
- Você está bem diferente... Você vive uma vida dupla? - revirei os olhos.
- Não, não vivo uma vida dupla. Já você, parece levar o passatempo de ser chato como algo sério, não é? - e ele gargalhou novamente.
- Que tal se nós formos aproveitar a noite? A quanto tempo você realmente não curte a vida?
- Bem... eu... "Droga, vou chorar."
- Vem... - ele mordeu o lábio inferior, me olhou nos olhos e entrelaçou uma das suas mãos em uma das minhas.

    Fomos indo de contra a multidão, a mão dele parecia tão quente e grande. Ele parecia tão alto. E sinceramente, acho que não foi o cabelo dele ou a calça escura ou o cigarro na mão que me chamou a atenção. O que me chamou a atenção foi ele, por ser ele. Pois tinha que ser ele. O destino não existe, acho. Mas... Que o acaso me deseje boas coisas. "Que o acaso me deseje você."

- Vai tocar uma música bem legal, a qualquer momento.
- E como você sabe disso?
- Conheço o repertório do cara.
- Ah... - e do nada, me pego em um estágio de anestesia geral.

    Olhar para ele é como olhar para uma outra dimensão. Eu não gosto do cabelo dele por ser bagunçado, mas por ser dele. O sorriso não é triste, é alegre, aberto. A cara dele não é de "mamãe não cuida de mim", mas sim, uma cara de "sou tão maternal quanto você" e tudo isso está me dando vontade de fugir. E é o que estou prestes a fazer.

- Ei, ei!
- Desculpa! Isso é demais para mim, isso não pode ser real!

    E assim, fui mais uma vez contra a multidão. E dessa vez, é assustador. Eu estou sozinha. Sem nenhum corpo ou mão que me passe uma sensação quente e boa, como um café quente em uma manhã fria. Na verdade... Sem ele. É por isso que eu tenho que fugir. Me apego rápido demais. E a corda sempre quebra pelo lado mais frágil.

- Me diz pelo menos o seu nome!

    E as lágrimas começam a descer. E eu  fugindo, como sempre. Para não perder o costume. Mais uma vez a covardia foi mais forte. E a verdade é que eu já tenho vinte anos. Mas e daí? Eu fujo querendo que ele me alcance, mas ninguém iria tão longe por uma desconhecida estranha, sem nome. E destino não existe... Até que eu senti uma mão em meu pulso, que me girou de forma brusca.

- Me diz... pelo menos... o teu nome.

    Ele parecia chocado, triste. Um trator havia passado por cima dele e esse trator era eu. Dessa vez, o lado mais frágil não parece ser o meu. Já que eu não vi nada se partindo por aqui. Ele realmente acredita em destino? Isso se torna cada vez mais surreal. Um amor poderia se formar em apenas algumas horas? Haveria então, de fato, o destino? E quem me alcançou não passa de um estranho, que conheço a menos de um dia. O que eu tenho a perder por aquele que foi o primeiro a me alcançar?

- Eu me chamo Fernanda.
- Fernanda... Anseia saber como eu me chamo?

    E assim, as lágrimas se tornaram ainda mais pesadas e grossas. Lágrimas podem ter o mesmo peso de chumbos? Sinto que as minhas conseguem, exatamente agora. E ele sempre soa tão gentil... Ao contrário de mim e das minhas irritações pois não sei não ser séria, a não ser que me induzam a calmaria.

- Anseio... sim, moço. Moço que acredita no destino.

    E assim ele sorriu torto. Meio que descontente. Meio bobo. Passou o polegar em meu rosto, por onde trilharam as lágrimas. Acabei fechando os olhos. Estava novamente fora de órbita.

- Me chamo Marcos.

    A música legal parecia ter começado a tocar. Sophia, de Esteban. Em um ritmo mais leve, apenas um violão. O quanto isso pode combinar com o momento e soar irônico? A bela música, para mim, soa como um tapa. Soa como um tapa na cara. A dei para isso mesmo.

- Não seja a minha Sophia...

    E assim, ele afundou as mãos em meus cabelos recentemente cortados. "Não quero chamar atenção, vou cortar." Me olhou nos olhos e me beijou. Um beijo urgente, mas calmo. Sempre quis ser beijada com um amor imenso e segurada como se eu pudesse quebrar. E estava acontecendo agora. Não mais me segurei, e tirei uma das suas mãos de minha nuca e a enlacei na minha.
    Surpreso, ele parou e beijo e acabei ficando com cara de interrogação. Ele sorriu, mais uma vez, do jeito lindo dele e enlaçou a outra mão na minha mão livre e deu um beijo em minha testa. Com isso, fui a Lua. E acabei realmente sorrindo. Talvez o destino exista. Ou talvez, o acaso deseje você para mim. Que importa? "Está acontecendo, exatamente agora".

- E... Sobre o jogo?
- Você perdeu no exato momento em que meus olhos caíram sobre você. Então... Não vou deixar que se vá agora.
- Não mesmo?
- Não... Fim de jogo para você, senhorita.
- Então vou ter que me acostumar com um chato em minha vida?
- Sim... Um chato para chamar de seu. Também poderei te chamar de minha?
- Hm...
- Poderei sim.

    Vi as meninas de longe, em uma mesinha, olhando ao mesmo tempo surpresas e felizes. Elas riam e apontavam o polegar para cima e depois sibilavam amém e uniam as mãos. "Idiotas, obrigada por aturarem a verdadeira chata." E ele olhou para elas, e riu. E nos beijamos novamente. Agora não importava mais qual música tocava. Eu não seria a Sophia dele, mas a Fernanda, a própria. E ele é o meu chato, o meu Marcos. Meu, só meu. E esse nós, nos pertence.

Ana Débora
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eu sei, eu amo você

4 comentários:

  1. Awwnt, que texto perfeito! Escreva um livro? *---*
    amei, cara que lindo! Vai ter continuação?

    Kawaii Land

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    1. Mio-chan, o conto já foi assim grande para não ter continuação haha
      Mas fico feliz por ter gostado tanto assim do conto! Eu até admito que estou tentando escrever um livro, mas estava sem vontade, pois é bem difícil, viu?
      Fico feliz por me achar capaz de escrever um livro! haha Obrigada!

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  2. Que doce e quanto amor! Você sempre me surpreendendo, moça! Você bem que podia escrever uma web série que continue essa história... Eu iria adorar ler. Seria um sonho se isso acontecesse comigo, e apesar de também me sentir madura demais para a minha idade como a Fernanda, eu provavelmente não reagiria como ela. Conhecendo como me conheço eu sei que não fugiria. Ao invés disso eu ficaria paralisada e presa no lugar. E o Marcos é um doce apesar dessa imagem tão "radical" que ele tem.
    Beijos, vou esperar por mais textos seus!
    http://flor-de-vidro.blogspot.com.br

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