Destinatário: minha própria pele


Outubro: uma carta à sua melhor amiga / ao seu melhor amigo

Você me deu um nome. Me chamava de "lado bicho" e dizia temer o que eu era. Você ainda não tinha percebido, que eu era você, também. Você não percebeu que ao me temer, você temia aquilo de mais profundo que você era. Você não percebia, que era o que eles queriam. Fazer você me dar as costas seria o mesmo que silenciar e calar você. Me colocando em esquecimento, seria possível te colocar numa jaula na qual te fizeram acreditar que você não tinha sequer a chave. Mas você a tinha, pois eu a tinha. E para se libertar, você só precisava voltar a olhar pra mim. Feito isso: livre. Já que eu nunca saí do seu lado. Eu sempre estive aqui. Somos um só. Lado homem, lado bicho.

Então olá, querida amiga. A quanto tempo que eu não vinha aqui? A quanto tempo eu não te vi analisar os motivos dos outros e a vendo esquecer os nossos próprios motivos? Por quanto tempo limpou a bagunça dos outros ao ponto de deixar acumular a nossa própria sujeira? Você nos separou, nos deixou sozinha em lados opostos. Separou o que foi feito para ser unido, mas eu nunca deixei de esperar. 

E eu via você, ai. Entre lobos em peles de cordeiros e cordeiros tão perdidos quanto você sem mim. Você se perguntava tantas vezes aonde você tinha ido parar, quando essa parte essencial de você só estava longe pois assim você queria. Eu queria que nesses momentos, você dissesse que não me temia. Mas na verdade eu só tinha desespero e choros longos como resposta. Eu temia dolorosamente por você. Eu temia por nós. Mas seu lado homem precisava passar por isso. A gente sabe que, mesmo sabendo mais coisas hoje, provavelmente faríamos as mesmas escolhas novamente. 

Você se perdeu, enquanto me procurava. Pois só ia me procurar nos lugares errados. Você se perguntava por onde eu andava, só que eu não andava para lugar nenhum, era você que me ignorava. Estava de costas pra mim. Precisava mudar de percepção. Precisava parar de ter medo de mim. Precisava parar de ter medo de você mesma. Precisava entender que o que mais te machucava não eram os outros, mas (a falta de) você mesma. Como Nomi disse, a maior violência parte de nós mesmos. Não dos outros. Eu a vi se violentar. Ignorando um lado teu, o lado mais profundo, a sua essência. Tem mal maior que esse? Não se ouvir? Se abandonar? Aprendemos a lição, sabemos que não. 

Você achou que eram as pessoas, mas depois percebeu que era você. Você não é mais uma criança que não sabe lidar com as coisas. Não. Você já é bem grandinha, já tem o que é necessário para lidar com os atropelos da vida. E hoje você vê, quanto mal se fez. Não olhando pra si. Cometendo o maior pecado, talvez o único. Mas não há condenação de fato, aqui. Somos uma só. Não era fácil pra mim te ver sofrendo quando eu sabia que a solução seria tão fácil. Era só olhar pra dentro. Você estava lá o tempo todo, só precisava prestar atenção para ver que você nunca tinha ido a lugar algum. Eu sempre estive aqui, esperando você voltar. Nós, na mesma pele. No mesmo barco. Na mesma sina. Dois lados de uma moeda só. Dois lados de um ser só. 

Ana Débora, com carinho e gratidão

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